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9º Encontro do Clube: Ésquilo

Encontro Clube Heureka: Ésquilo

"O texto de Prometeu Agrilhoado é complexo e, de algum modo, paradoxal. Ao mesmo tempo que aponta a condição inescapável do humano (que deverá «afeiçoar-se» ao já pensado que vem encontrar e necessariamente condiciona os seus pensamentos e actos), parece, simultaneamente, fazer uma pujante afirmação do que se desejaria que pudesse ser uma probidade para um saber humano. Paralelamente, e num outro plano não metafísico, o texto deixa entrever qualquer coisa de um contexto concreto da vida da cidade no século da democracia grega." (Maria Mafalda Viana)


Este encontro resulta de uma parceria com o CHAM - Centro de Humanidades (CHAM - NOVA FCSH), uma unidade de investigação inter-universitária vinculada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa e à Universidade dos Açores. Esta parceria foi possível graças aos esforços da Professora Leonor Santa Bárbara.


Um excerto da tragédia grega será declamado por Marcos Oliveira Helena (classicista e professor do Colégio de S. Tomás) e Mariana Tapada Marques (estudante de Artes Dramáticas e de Estudos Clássicos), na tradução de Maria Mafalda Viana, recentemente publicada (fevereiro de 2025) pelas Edições Tinta-da-China. O livro marcará presença, estando disponível para compra.



Maria Mafalda Viana

Helenista e ensaísta, licenciou-se em Línguas e Literaturas Clássicas na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde também fez mestrado. Foi professora em várias instituições, nomeadamente na Universidade do Algarve, onde se doutorou. Fez um pós-doutoramento sobre Píndaro no Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, onde também lecionou.


Oradora em vários encontros e palestras em escolas, bibliotecas, museus e centros culturais, são de salientar as dezenas de conferências que proferiu no Centro Cultural de Belém, integradas no projeto "Literatura e Humanidades" de Vasco Graça Moura.


Tem várias publicações (artigos, ensaios, traduções) sobre Píndaro, Homero, Ésquilo, Platão, poesia latina, Camões, Vasco Graça Moura, poesia, mito e cultura europeia.


Local

Átrio da Biblioteca do Colégio Almada Negreiros

Campus de Campolide. 1099-085 Lisboa

Portaria Reitoria Rua da Mesquita


O Colégio Almada Negreiros, durante muitos anos conhecido como Colégio dos Jesuítas, foi sendo construído ao longo da segunda metade do século XIX, na época administrado pela Companhia de Jesus. Antes de acolher a Universidade NOVA de Lisboa foi também casa do “Batalhão de Caçadores 5”, que haveria de deixar o edifício nos anos 70.


Já aconteceu!

Esta terça-feira, o Heureka – Clube de Leitura teve o privilégio de "se sentar à mesa" com um dos grandes nomes da tragédia clássica: Ésquilo. Mergulhámos no poderoso Prometeu Agrilhoado, representado pela tradutora Maria Mafalda Viana.


Foi inspirador ouvi-la falar da beleza única da língua grega – uma língua que exige ser lida no original para revelar toda a sua força e subtileza. Descobrimos que traduzir é, no fundo, uma tarefa infinita, porque entre o grego e o português há um mundo de distância sintática e semântica. E é exatamente aí que reside o fascínio: cada tradução é uma nova leitura, uma nova tentativa de tocar a essência de um texto que nunca se deixa aprisionar.


No entanto, por entre essas distâncias, sobressai algo ainda mais impressionante: a proximidade do pensamento e das inquietações, que ligam o homem de ontem ao de hoje, num diálogo que atravessa séculos e civilizações.


Mariana Tapada Marques, que devia ter dado voz a Hermes, ficou infelizmente retida no trânsito e não chegou a tempo da declamação. Mas, com a rapidez e a lucidez que já lhes conhecemos, os responsáveis do Heureka – Clube de Leitura resolveram a situação no momento: convidaram André Pinela, um dos nossos membros mais entusiastas (e de espírito bem helénico) para assumir o papel. Hermes não falhou – chegou, falou e encantou! José Alexandre Maurício, um dos responsáveis do clube, foi o Coro.


Foi um fim de tarde de descoberta, partilha e deslumbramento, com a palavra, com o pensamento e com a força imensa da literatura antiga.



Maria Mafalda Viana ficou tão comovida e sensibilizada com a declamação que, poucos dias depois do evento, escreveu o seguinte texto:

PENSAMENTOS MOVIDOS P'LA LEITURA DE TRÊS JOVENS AEDOS EM TUDO SEMELHANTES A AEDOS ENTOANDO NUM BANQUETE VERSOS DO PROMETEU AGRILHOADO


Ali não havia as viandas de um banquete, onde, como bons convivas «quasi» homéricos, nos poderíamos «saciar de comida e de bebida», nem mesmo uma modesta cesta de bons figos, que tantas vezes podia servir de prémio nos concursos de tragédia que integravam as festas chamadas Grandes Dionísias. Não havia vinho, como se possa pensar adequado para aquelas festas e, uns séculos antes, havia com toda a certeza num banquete homérico. Nem mesmo a vinha alegrava a sala do átrio onde os jovens aedos entoaram compenetrados uns versos de Ésquilo, do «Prometeu Agrilhoado». Não será isto exagero, pois com justeza posso pensar que eram como se aedos aqueles estudantes a dizerem os versos por eles tão bem lidos nas suas vozes firmes e bem colocadas. Cada um deles com o seu timbre particular. A compor o banquete, nem mesmo havia trigo a alegrar e a predispor o ânimo de alguma Deméter que por ali desejasse aparecer com discrição. Era, na verdade, um outro tipo de pão o que ali foi distribuído pelos convivas, porque semelhante ao que alimenta e aquece a alma.


Para quem porventura frequente menos os poetas gregos e possa não conhecer o substantivo «aedo», muito rapidamente, é um cantor que frequenta, por exemplo, os banquetes na corte de algum rei e de que nos dá boa notícia o poema em hexâmetros dactílicos «Odisseia», de que algum poeta de nome Homero e decerto séculos mais velho do que Ésquilo poderá ter sido o compositor (). Chama-se «aedo» (gr. «aoidós») (*) a este homem que cantava as «glórias dos homens», como faz o famoso Demódoco (presente na corte do rei Alcínoo, que ajuda Ulisses a regressar a casa) ou como é Fémio, o aedo que cantava em Ítaca, na corte de Ulisses, enquanto os pretendentes lhe «devoravam» os bens.


Na semana passada, dia 25 de Março, tive o gosto de ouvir três estudantes de voz bem colocada a ler os versos finais do «Prometeu Agrilhoado» a partir da minha tradução em português deste texto poético de tragédia. Três aedos, pensei ao ouvi-los. Foi por ocasião do nono encontro do Heureka, um Clube de Leitura com a iniciativa de estudantes de Clássicas. De facto, os versos são do poeta trágico grego, mas a verdade é que senti uma emoção inusitada e mesmo «inédita», se o termo pode ser transportado para este contexto e, portanto, assim ser usado num sentido que, «ipsis verbis», podemos dizer «metafórico». Nunca me tinha acontecido uma emoção deste tipo, o que, julgo, se justificará por aquela composição das palavras em português dispostas de modo a darem a ver (daquela que julgo a melhor forma) o texto grego serem realmente minhas.


Não cobri o rosto com nenhum manto, como outrora «o das múltiplas voltas» na corte do rei Alcínoo, até porque não tinha ali nenhum a jeito, nem mesmo senti o rosto humedecido, o que, em todo o caso, teria passado despercebido, uma vez que o átrio onde decorreu aquela sessão - o da Biblioteca do Colégio Almada Negreiros (Universidade Nova) - estava pouco iluminado. Mas talvez não tenha sido um sentir muito diferente daquele de que foi tomado o bom Ulisses, quando, ao ser recebido da melhor forma no país dos Feaces, ouviu a voz do aedo Demódoco a entoar um canto sobre acontecimentos passados que todavia ele tinha presenciado. Mais do que isso, tinha mesmo tomado parte nesses acontecimentos. A emoção era, pois, a de quem se sentia identificado num canto que estava a ouvir. Era sobre si mesmo aquele canto que todavia os presentes ouviam como sendo sobre acontecimentos distantes. Na verdade, ninguém sabia de Ulisses que andava errante desde que partira de Tróia, após a famosa guerra, de entre outras que ali tiveram lugar. E, todavia, agora o seu nome ali estava (juntamente com o de Aquiles) como sujeito de um verbo que, além de ser conjugado no aoristo, era uma terceira pessoa distante. Mas falava de si, daqueles tempos em que tanto sofrera, ainda antes dos novos sofrimentos e errâncias que o aguardavam e haviam de pôr à prova o seu engenho. Durante largos anos, havia de ficar bem apartado da companhia dos humanos conhecidos, sempre errante e na condição de náufrago e estrangeiro em toda a terra a que aportasse. Agora, porém, estava diante de si uma proximidade lançada num belo canto, e tão extrema, que se confundia consigo mesmo, Ulisses, que ali mesmo se identificava.


Não andei na guerra - e oxalá nunca venhamos a conhecer na nossa pele as agruras de tempos desses -, nem mesmo conheço a glória ou fama que os feitos deste homem grego alcançaram. E não foram poucos, pois perde-se na imensidão dos mais recuados séculos a primeira centelha de espírito que esboçou a sua figura. Muito possivelmente, quem sabe, até a partir de um marinheiro tão real quanto engenhoso e valente, até porque lá onde foi Tróia não houve só uma, mas várias guerras, portanto não poucos terão sido também aqueles que regressaram. Terá mesmo havido uma antiga narrativa épica como o título «Nostoi» (regressos). Mas, mesmo sendo Ulisses tão antigo que a sua origem se perde para trás da narrativa escrita da «Odisseia», todavia as suas lágrimas, na configuração que lhe deu o poeta desta epopeia, ainda encantam os dias de quantos lhes sentem não o brilho da glória ou fama, mas as humaníssimas proximidade e identificação por ele experimentadas.


Não tinha, pois, a jeito uma capa de púrpura como aquela que tomou Ulisses nas suas mãos a cobrir o rosto com lágrimas. E a verdade é que também não terá sido caso para lágrimas. Mas ouvi palavras que eram minhas - deveras - e pareciam ressoar como um canto ao serem entoadas por aqueles três jovens aedos dos nossos dias.


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(*) Ésquilo é um poeta do século V a. C. Os poemas «Ilíada» e «Odisseia» são situados com razoável consenso (mas não total) nos séculos VIII a. C. e VII a. C., respectivamente, sendo esta uma data aproximada.

(**) É um substantivo cognato de um verbo grego que significa «cantar», o verbo «aeídô». O substantivo «aoidós» (aedo) é também aparentado de um outro, que significa 'canto', em grego «aoidê». Na sua forma já contracta, é o substantivo ôdê.


Um Grande Obrigado da equipa do Heureka – Clube de Leitura!



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