Kínēma: Medea de Pasolini (Medeia de Eurípides)
- heurekasite
- 15 de mai.
- 4 min de leitura

Damos continuidade ao nosso ciclo Kínēma: Clássicos em Movimento com uma incursão intensa e poética ao mito de Medeia, na visão ousada de Pasolini.
🗓️ Data: 15 de maio
📍 Local: Anfiteatro III da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
🎬 Filme: Medea (1969), de Pier Paolo Pasolini
📚 Obra clássica de referência: Medeia de Eurípides
Haverá uma breve introdução à obra e ao filme, seguida da projecção e de um debate com o público.
A entrada é gratuita.
Medea (1969) de Pier Paolo Pasolini
Medea (1969), realizado por Pier Paolo Pasolini, é um clássico do cinema italiano baseado na tragédia Medeia, de Eurípides. O filme é protagonizado por Maria Callas, a lendária cantora de ópera, que faz aqui a sua única incursão cinematográfica, e por Giuseppe Gentile.
Na tentativa de recuperar o trono do seu pai, Jasão (Giuseppe Gentile) parte para a longínqua Cólquida em busca do mítico Velo de Ouro. No decorrer da sua jornada, o herói encontra-se com Medeia (Maria Callas), mulher poderosa e enigmática que o acompanha no regresso à Grécia. Este encontro amoroso acaba por resultar numa infeliz viragem no destino de ambos. Em Corinto, onde o par se estabelece, Medeia é tratada como estrangeira indesejada e acaba traída por Jasão, que renega o laço que os unia para desposar Glauce (Margareth Clémenti), filha do rei Creonte (Massimo Girotti). Ferida no orgulho e no coração, Medeia transforma a dor em força destrutiva e maquina uma vingança implacável contra todos os que a desprezaram.
A Medea de Pasolini não é uma mera adaptação da peça grega. Oferece-nos uma leitura profundamente simbólica e crítica da civilização ocidental por via do choque entre dois mundos: um mundo civilizado e racional, representado por Jasão e pela Grécia, e um mundo natural e espiritual, representado por Medeia e pela Cólquida. A estética cinematográfica alterna entre o misticismo ritual e o realismo austero – como a representação de Quíron ora como centauro, ora como humano exemplifica – expondo assim um espaço de tensão constante entre razão e instinto, entre progresso e humanidade. É esta diferença que está na base da tragédia euripidiana e do filme a exibir: através da figura de Medeia, Pasolini dá voz ao que é ancestral e marginalizado, oprimido pelo discurso racional da civilização helénica.
Por tudo isto, importa ainda hoje ver a Medea de Pasolini. Nas palavras do nosso orador, retiradas de um texto sobre esta longa-metragem, a “demanda do nosso rosto original e arcaico, aventura de resultado incerto, dada a natureza angélica ou demoníaca do que nesse descobrimento pode ser descoberto, é uma quaestio que a modernidade, perseguida pelos seus fantasmas e exangue pelas suas denúncias, tornou premente. O colapso dos humanismos, a dificuldade em encontrar o traço identificador do propriamente humano, a traumática herança do último século que fez ruir por inteiro a convicção segundo a qual a cultura nos tornava melhores, tudo isto nos colocou irremediavelmente, como uma fatalidade, perante um enigma, um enigma que nos convoca a reconhecer os traços decisivos da nossa arcaica identidade, as feições do nosso primeiro rosto. A Medeia de Pasolini é um largo, lento e belo gesto onde se procura criar e colher o terrível e primaveril fulgor do nosso olhar. Quem disse que nos podemos olhar reflectidamente sem estremecimento e temor?” (José Pedro Serra, “A Medeia sobre a arte de Pasolini”, in Susana Bastos Mateus e Paulo Mendes Pinto (org.), A Sétima Arte no Sétimo Céu: o Cinema e a Religião (Lisboa: Firmamento, 2005, 92-93), 93.
José Pedro Serra
José Pedro Serra é Professor Catedrático no Departamento de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. É também Diretor da Biblioteca da mesma faculdade e investigador no Centro de Estudos Clássicos, onde coordena iniciativas relacionadas com a cultura grega e a sua recepção na cultura europeia.
Licenciado em Filosofia pela Universidade de Lisboa e com formação em Teologia pela Universidade Católica Portuguesa, obteve o grau de Mestre em Literatura Grega em 1989, com a dissertação Dioniso: Aspectos do Dionisismo na Literatura Grega. Em 1999, concluiu o doutoramento em Cultura Clássica com a tese Pensar o Trágico: Categorias da Tragédia Grega.
Entre as suas publicações destaca-se o livro Pensar o Trágico: Categorias da Tragédia Grega (Fundação Calouste Gulbenkian, 2006), que recebeu o Prémio PEN Clube Português na modalidade de Ensaio em 2007 e o Prémio Jacinto do Prado Coelho da Associação Portuguesa de Críticos Literários em 2008. Além disso, é autor de diversos artigos e capítulos sobre tragédia grega e sua receção, incluindo um estudo sobre a Medea (1969) de Pasolini, publicado na coletânea A Sétima Arte no Sétimo Céu: O Cinema e a Religião (Edições Firmamento, 2005).
Mais recentemente, foi autor e apresentador da série Mythos, transmitida pela RTP2 em 2022 e 2023, dedicada à exploração dos grandes mitos da tradição clássica e sua relevância contemporânea.
Já aconteceu!
A segunda sessão de Kínēma: Clássicos em Movimento, no dia 15 de maio, contou com um convidado especial: o Professor José Pedro Serra, que nos apresentou a tragédia Medeia de Eurípides com a eloquência que lhe é natural.
Marta Oliveira, coordenadora geral do Nucivo – Núcleo de Cinema e Vídeo, encerrou a introdução da sessão com a apresentação do filme que a tragédia grega inspirou: Medea (1969), de Pier Paolo Pasolini.
Após a exibição do filme, seguiu-se o debate, durante o qual José Pedro Serra aproveitou para refletir sobre o significado da obra e responder às questões colocadas pela audiência.
O Professor Carlos Fabião destacou a dimensão política da leitura de Pasolini — em particular a crítica ao capitalismo — e enquadrou o filme no seu contexto histórico, num comentário tão relevante quanto oportuno.
Veja aqui mais informações sobre:
🔗O filme Il Pistolero dell’Ave Maria (1969) de Ferdinando Baldi, inspirado na Oresteia de Ésquilo.
🔗 O filme A Funny Thing Happened on the Way to the Forum (1963) de Richard Lester, inspirado nas Comédias de Plauto.
🔗 O filme Jason and the Argonauts (1963) de Don Chaffey, inspirado na Argonáutica de Apolónio de Rodes.